O ato de flutuar em uma superfície de água salgada, que tem a temperatura do corpo num ambiente que bloqueia a luz e o som, é algo em princípio, assustador e aparentemente incômodo. Ainda mais no tempo médio de 60 a 90 minutos. E ainda assim, pode trazer experiências transformadoras.
Talvez você tenha assistido Stranger Things na Netflix, talvez não. De qualquer forma, algo parecido com um tanque é usado pela protagonista para acessar outros estados de consciência, no contexto da série. Inspiração clara nos primórdios das pesquisas de John Lilly nos anos 50 e que hoje, são parte de uma prática comum em mais de 1200 centros de flutuação ao redor do mundo.
Os tanques de flutuação (hoje mais parecidos com cápsulas espaciais), foram desenvolvidos no começo dos anos 70 como uma continuidade da pesquisa dos efeitos de privação sensorial que foi desenvolvida por John Lilly, vinte anos antes. Lilly foi o pioneiro nas pesquisas de comunicação dos golfinhos.
A história da Flutuação data dos anos 50 quando os cientistas Jay Shirley e John Lilly trabalhavam no Instituto Nacional de Saúde Mental e ficaram interessados em entender como o cérebro humano responderia a um ambiente isolado de qualquer estímulo sensorial. Eles descobriram que ao invés de cair num sono pesado ou perder consciência, os participantes (começando com o próprio Lilly) mantiveram total presença e consciência.
Lilly, médico, psicanalista e especialista em neurofisiologia, estava tentando criar um “instrumento de pesquisa” onde ele poderia estudar algumas áreas intrigantes da neuropsicologia. Não passou pela cabeça dele que as experiências também trariam aprendizados sobre meditação e estados de consciência diversos, paz, prazer e mesmo melhoras físicas musculares.
No início, os participantes do estudo ficavam imersos verticalmente num tanque de água e com um capacete opaco circundando suas cabeças, conectado a uma série de tubos de respiração. Como o capacete era algo que restringia muito os sentidos e sensações, precisava ser melhorado. Nesta época, os participantes, em sua maioria, eram astronautas da NASA, treinando para as missões lunares, que ainda estavam por vir.
Aliás, a flutuação faz parte do programa de treinamento de astronautas ainda hoje.
Nos anos 70, Glenn Perry, jovem engenheiro de computação, em colaboração com Lilly, inventou a primeira versão horizontal do tanque, onde já não havia necessidade de uso de um capacete. Nesta versão, os participantes ficavam deitados na horizontal, sustentados pela alta concentração de sal de Epsom, o que os permitia manter confortavelmente o rosto para fora.
Perry viria a ser o primeiro construtor de tanques comerciais, seu modelo foi a base para o nascimento de uma nova indústria, que só agora começa a amadurecer e mostrar a que veio, graças aos estudos da neurociência validados pelas moderna tecnologia de imagem (Ressonância Magnética Funcional e Neurofeedback). E tudo começou porque Perry era tímido para falar em público. Ao fazer parte do estudo de John Lilly (e se tornar seu amigo) conseguiu vencer essa barreira e foi um dos mais eloquentes porta vozes da técnica. Seu tanque, Samadhi, até hoje é fabricado.
Essa mudança foi crítica na popularização da terapia de flutuação, ainda que até hoje, algumas pessoas tenham a impressão de algo claustrofóbico. A não ser que você seja realmente claustrofóbico, asseguro que é apenas uma impressão. E se você for, pode fazer a sessão com a tampa da cápsula aberta e a luz acesa. Não é a mesma coisa, mas já é muito em relação ao que você pode estar imaginando.
A evolução da prática da flutuação em tanques de isolamento, ou terapia de flutuação, cresceu exponencialmente na última década, com a chegada de tanques mais espaçosos e até mesmo salas de flutuação.
Hoje, nos Estados Unidos por exemplo, já existem mais de 400 centros de flutuação e outras centenas na Europa. No Brasil, o Flutuar Float Center conta com três salas e tanques de flutuação, com planos de ampliação para breve. O programa Deep Now (info abaixo) é uma parceria Flutuar e Projeto Flow.
Porque flutuar?
Saúde e bem-estar
Ao longo dos últimos 40 anos, quando a terapia da flutuação ficou mais conhecida fora do Brasil, as pessoas consistemente buscam alívio do stress, redução de dependências químicas, diminuição e até mesmo eliminação de dores crônicas, recuperação física e muscular (vários atletas de alta performance fazem uso, mais detalhes adiante) e mais.
Estudos realizados nos últimos anos, indicam que a flutuação aumenta os níveis de dopamina e endorfinas, fazendo com que seu estado de espírito esteja em níveis ótimos e com uma duração que pode chegar a até dois dias depois da sessão.
Sem a necessidade de ter que lidar com a gravidade (equilíbrio do corpo), visão, audição e tato, além de outros estímulos externos que consomem muita energia, nosso cérebro relaxa e aciona outros aspectos cognitivos, intuitivos e criativos, dando espaço a sensações que não experimentamos com frequência.
“Aqui vemos o valor incrível da flutuação: O tanque é uma ferramenta específica e confiável de ativação do estado de Flow. Em geral, flutuadores parecem acessar o Flow a cada vez que entram no tanque. Mais ainda, eles vivenciam aquela sensação de felicidade e plenitude, de longos períodos de flow ininterrupto. ” Michael Hutchison
Meditação
Todas as nossas sensações e experiências vividas enquanto flutuamos, vêm de nosso próprio interior. Uma ótima oportunidade para refletir sobre nossa vida. Relatos de insights pessoais e criativos são inúmeros.
O tanque, ou cápsula, também apoia quem está iniciando nos processos de meditação e instrospecção. Após 30 ou 40 minutos de flutuação, ondas Theta começam a ser emitidas pelo cérebro e elas são as responsáveis pelo nosso estado intermediário de estar desperto ou dormindo.
Apenas com alguns anos de prática diária, uma pessoa consegue acessar um estado meditativo profundo com presença contínua de ondas Theta. No tanque, isso acontece quase que imediatamente e em muitos casos, já na primeira sessão (caso a intenção seja meditar).
Auto-desenvolvimento
Atletas usam o tanque em dois momentos. Antes de uma prova, buscando visualizar todo o processo da competição que virá, em detalhes. Depois da ação, a intenção é recuperação física e mental. Times da Liga Americana de Basquete e Futebol como os Golden State Warriors e os New England Patriots de Tom Brady, usam o tanque regularmente.
Relatos apontam para pessoas que melhoraram significativamente suas atividades esportivas, profissionais (teorias científicas complexas, capítulos inteiros de livros pensados durante a sessão, entre outras realizações).
Como não há nada para distrair sua mente, seu nível de concentração e processamento de informação e de conhecimento é impressionante.
Flutuar é igual a ser, não fazer
Por estar em gravidade próxima do zero, garantida por 500 kilos de sal de Epsom (sulfato de magnésio) que além de ajudar a flutuar qualquer tipo de corpo, também proporciona inúmeros benefícios ao ser absorvido pela pele (é um anti-inflamatório natural), sem estímulos externos, não há necessidade do cérebro fazer seus inúmeros cálculos para te manter em pé e nem tentar ficar prevendo situações. Então, acontece um quase total desligamento do córtex pré frontal (hipofrontalidade transitória), fazendo com que o lado racional, crítico e avaliador do cérebro, dê lugar a outras funções neurológicas, expandindo a intuição, criatividade e insights.
A temperatura da água é a mesma do seu corpo, o que significa que você perde a sensação de estar em contato com ela e parece realmente flutuar.
A cápsula já possui isolamento acústico e além disso, você vai usar protetores auriculares. O barulho externo, não existe mais.
Ao fechar a tampa e apagar a luz (sim, você pode deixar a luz acesa e aproveitar uma sessão de cromoterapia, mas porque não ir fundo na experiência?) escuridão total.
Fechar ou abrir os olhos não faz diferença e aquelas imagens que você por vezes enxerga quando está sonhando ou meditando, acontecem também com os olhos abertos, o que mostra que tudo é gerado dentro de nossa mente.
O mundo externo não existe mais e você está pronto para uma experiência incrível.
Com o crescimento das evidências científicas que apoiam os benefícios gerados, a terapia da flutuação pode perfeitamente vir a se tornar o padrão no treinamento esportivo e ativação do estado de Flow, indo além, quem sabe, ao chegar às organizações que lidam com o fantasma do burnout, ansiedade e da fadiga crônica em seus quadros, inclusive já existem algumas delas que adotando salas de meditação, dias sem reunião, retiros de descompressão entre outras idéias, como formas de lidar com estas situações do mundo VUCA, como detalho em meu artigo anterior.
As qualidades essenciais do Flow - um senso de descoberta, exploração, solução de problemas, novidade, desafio, fusão de ação e consciência, noção de tempo anulada, sensação de controle e fluidez total, surgindo do perfeito equilíbrio entre dificuldade e habilidade - e acima de tudo, a sensação enorme de prazer que resulta da combinação deste elementos, também são as qualidades essenciais da flutuação com isolamento sensorial.
Até a palavra flow tem tudo a ver com a experiência no tanque de flutuação...
O programa inédito no Brasil, "The Deep Now - Flow, Flutuação e estados elevados de consciência" é uma parceria do Projeto Flow e Flutuar Float Center e acontecerá em São Paulo, no dia 18 de Setembro às 18:30.
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